NOTA 5,5 Embora esquemático e com situações inverossímeis, longa entretém e cumpre função de ser um veículo de promoção para Jennifer Lopez |
Toda mulher sonha em um casamento perfeito e duradouro até que a morte separe o casal, mas casos em que se descobre tardiamente que o príncipe encantado na verdade é um baita de um vilão infelizmente são extremamente comuns. Esse é o ponto de partida de Nunca Mais, suspense com pitadas de drama estrelado por Jennifer Lopez, para variar em um papel com um quê de latinidade que desperta a atenção dos homens. Ela vive Slim, uma dedicada garçonete de um restaurante decadente de Los Angeles que certa vez passa a ser incomodada por um cliente inoportuno que acha que a moça é do tipo fácil, claramente um preconceito inerente a sua profissão e ao seu visual “imigrante”. De repente, um outro homem entra no local oportunamente com todo jeitão de justiceiro e logo livra a moça do canastrão. Ele é Mitch Hiller (Billy Campbell), um sujeito bonitão e que aparenta ser de boa índole. Imediatamente, pinta um clima entre a garçonete e seu herói e Ginny (Juliette Lewis), a melhor amida dela e também funcionária do local, a incentiva a investir nesse relacionamento e em menos de dez minutos de filme já estamos acompanhando o casamento deles. Ela não só ganha um marido que parece super apaixonado como também uma vida confortável, afinal ele é milionário e assim ela vira exclusivamente uma dona de casa que não precisa se preocupar em ter uma profissão. A ação avança alguns anos e o casal então tem uma filha pequena, Gracie (Tessa Allen), mas a relação entre eles já dá sinais de desgaste. A rapidez do roteirista Nicholas Kazan, de O Reverso da Fortuna, para desenvolver esta introdução tem justificativa. Seu objetivo não era fazer um drama choroso, mas sim um thriller envolvente capaz de fazer o espectador se identificar a tal ponto de não ligar para algumas situações inverossímeis. Então para que se preocupar com pormenores do casal? Vamos logo ao que interessa. Slim descobre que Mitch está tendo um caso com outra mulher e confronta-o ameaçando se separar, mas como tom bom cafajeste ele se defende dizendo que seus instintos masculinos o obrigam a procurar prazer com outras e que não pretende deixar de dar suas puladas de cerca. Ele ainda deixa claro que ela não pode reclamar de nada, afinal ela tem tudo o que quer e em troca ele só pede liberdade para suas aventuras sexuais, mas exige a permanência da esposa que no final das contas vive para ele como uma espécie de empregada dentro de casa e nos eventos sociais como uma peça de adorno indispensável para a manutenção de sua imagem pública. Slim se revolta e acaba sendo violentada.
A ex-garçonete está disposta a encerrar o casamento depois das revelações sinceras e insensíveis do marido, mas ainda tem receio por causa da filha que gosta do pai. Todavia, a cada dia a situação piora. Certa vez Slim leva um grande susto ao chegar na escola para pegar Gracie e descobrir que Mitch já havia passado por lá. Ele a levou para uma visita ao zoológico, mas o passeio foi feito com segundas intenções, um aviso para que Slim se conformasse com a situação e parasse de afrontá-lo, caso contrário ela ficaria sem a filha e na miséria. No limite da resistência, ela aceita a ajuda de Ginny e do amigo Phil (Christopher Maher) para fugir com a garota de madrugada, mas Mitch descobre o plano e na hora combinada para a fuga ele surpreende a esposa e passa a agredi-la como nunca. Os cúmplices invadem a casa e usando Gracie como escudo conseguem realizar a fuga de Slim e assim começa as desventuras de mãe e filha tentando encontrar um lugar seguro para recomeçarem suas vidas. Porém, Mitch estará no encalço delas e disposto a tudo para trazê-las de volta. Esta produção do diretor Michael Apted, de antigos sucessos como O Destino Mudou Sua Vida e Nas Montanhas do Gorila, infelizmente não chamou a atenção do público e recebeu muitas críticas negativas. Bem, realmente não dá para negar a sensação de que você já viu este filme antes. Pode não ter visto especificamente este título, mas a temática e as situações clichês já bateram ponto em muitas outras obras, inclusive o longa guarda muitas semelhanças com Dormindo com o Inimigo estrelado por Julia Roberts nos anos 90. Por que então dar um voto de confiança a este trabalho? A violência doméstica é um assunto sempre atual e vale a pena trazê-lo à tona de tempos em tempos afinal esse problema infelizmente continua ocorrendo com uma frequência absurda, mas são poucos os casos que chegam a conhecimento das autoridades de segurança. Casos como o de Slim podem acontecer em todas as classes sociais, mas curiosamente os que tornam-se públicos geralmente envolvem pessoas mais pobres e desprovidas de educação, pois é da natureza delas resolverem os problemas na base da violência. Casais de classe média ou alta tendem a manter a insatisfação enclausurada dentro de casa, assim preservando a felicidade de fachada para a sociedade. Todavia, em geral, o que rege a submissão das mulheres e aumenta a agressividade dos homens para persuadi-las, seja lá qual for a situação econômica ou intelectual dos envolvidos, é o medo dos comentários maldosos, a dependência financeira e o receio de ferir terceiros. Slim, no caso, não tem nem mesmo parentes para dar explicações, mas vivendo como dondoca não fez seu pé de meia e tem medo de traumatizar a filha com uma separação agressiva.
Justamente a questão financeira e a preocupação com os sentimentos de Gracie é que colocam constantemente Mitch no caminho de Slim obrigando-a a fugir para vários lugares em tempo recorde, mudar seu visual e até mesmo assumir uma nova identidade para poder ter onde se hospedar, por exemplo. Aliás, mal ela sai de casa e seu paradeiro já é conhecido por seu marido. Na hora da pressa qualquer um não prestaria atenção em detalhes, assim ela não pensou que Mitch seria capaz de imediatamente cancelar seus cartões de crédito e tampouco que ele teria o raciocínio de pedir o rastreamento da conta de Ginny, que lhe financiou a primeira estadia, aproveitando-se de seu poder de influência. Com a mesma inocência ela não pensava que um simples telefonema da filha ao pai feito em um telefone público a muitos quilômetros de distância poderia denunciar o exato local onde elas estavam. Fora os deslizes da própria Slim, Mitch parece bem relacionado no submundo e tem capangas espalhados por todos os cantos, assim foi fácil chegar até a casa de Joe (Dan Futterman), antigo namorado da moça que lhe cedeu abrigo, e até mesmo ameaçar Jupiter (Fred Ward), suposto pai biológico da fugitiva a quem ela procurou para revelar tal suspeita em meio a fuga, um gancho que soa forçado, mas necessário para ela conseguir o dinheiro necessário para dar uma guinada em sua vida. Nada de mudar de país e viver sob a tensão de a qualquer momento ser encontrada. Ela manda Gracie para o Havaí na companhia de um amigo, contrata uma sósia para confundir os cúmplices de Mitch e paga aulas com um grandalhão instrutor de autodefesa (Bruce A. Young) que lhe ensina valiosos golpes e truques para ela se sentir confiante para encarar o ex para uma luta de igual para igual. As cenas finais, o clímax de tudo, funcionam para alcançar os objetivos da fita, divertir e dar um merecido troco ao vilão com a mesma moeda, porém, se as levarmos a sério o resultado pode ser frustrante. Além de uma revanche inverossímil, a conclusão vai contra todas as instruções de segurança oferecidas em casos de agressão a mulheres. Apted acaba levando em consideração uma regra básica dos filmes de ação protagonizados por musculosos acéfalos: violência se combate com violência. De qualquer forma, a maior parte do tempo, Nunca Mais funciona como bom entretenimento. Se recicla clichês cabe a equipe envolvida tentar dar um sabor novo ao prato requentado e neste caso o resultado agrada, além de cumprir sua função de ser um veículo de promoção de Jennifer Lopez, na época mais conhecida como J-Lo, uma estrela em ascensão na música e no cinema, mas que hoje é apenas mais um nome famoso tentando sobreviver no acirrado mundo artístico norte-americano.
Suspense - 115 min - 2002
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